quinta-feira, 19 de março de 2009

BOMBADOS E BRAVOS

REPORTAGEM PUBLICADA NO CORREIO BRAZILIENSE EM 14/03/2009.

Estudo inédito mostra que anabolizantes causam alterações cerebrais drásticas

Renata Mariz - Correio Braziliense

Impotência, calvície, tumores no fígado e problemas do coração não são os únicos malefícios da utilização de anabolizantes por pessoas sadias. Pesquisa inédita realizada na Universidade de São Paulo (USP) mostra que os usuários de esteroides correm grande risco de se tornarem pessoas agressivas e impulsivas. O estudo detectou que a “bomba” causa alterações cerebrais drásticas, reduzindo a quantidade de proteínas que funcionam como neuroreceptores de serotonina, substância relacionada às emoções. Dois grupos de camundongos foram utilizados como cobaias no experimento.

O primeiro grupo, formado por 10 animais, tomou injeções do anabolizante nandrolona, mais conhecido no mercado por deca-durabolin, por 28 dias. Outros 10 camundongos receberam placebo (injeções sem qualquer produto real) para servirem de controle. Além de terem ficado mais pesados, os roedores anabolizados mostraram alterações consideráveis em testes comportamentais. Um deles é o labirinto em cruz elevado, que analisa a ansiedade e o medo. “A tendência dos animais que receberam o esteroide foi explorar mais as hastes da cruz que têm paredes e, portanto, oferecem alguma proteção”, afirma Silvana Chiavegatto, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que orientou a pesquisa.

Um outro teste muito importante, de acordo com ela, é chamado de residente-intruso. Consiste em colocar outro animal junto do roedor para analisar o nível de agressividade e impulsividade. “É normal no camundongo esse sentimento de territorialidade. Se fica muito tempo sozinho dentro de uma gaiola, ele se sente dono do local. Esse modelo é utilizado para verificar em quanto tempo ele ataca o intruso”, explica Silvana. No caso dos anabolizados, a média de tempo para iniciarem a briga foi de 400 segundos, enquanto o outro grupo demorou 700 segundos.

Ataque
Cerca de 75% dos camundongos que receberam a injeção de esteroides atacaram o intruso nos primeiros 15 minutos. No outro grupo, o índice foi de 30%. “A agressividade verificada por todos os testes que fizemos é do tipo impulsiva, está relacionada a atos praticados sem muita racionalidade”, destaca Silvana. De acordo com ela, o tal comportamento está ligado a uma quantidade reduzida de proteínas que funcionam dentro do cérebro como receptores de serotonina, já identificada pela ciência como uma substância ligada estreitamente ao controle das emoções.

“Quando esses receptores não existem, a pessoa pode até ter um nível adequado de serotonina, mas ela não será transmitida entre os neurônios”, explica a professora. A queda no nível de sete proteínas que funcionam como receptores variou entre 37% e 66% no cérebro dos camundongos anabolizados, em relação ao grupo controle. As regiões analisadas da massa cerebral foram o hipocampo, hipotálamo, córtex pré-frontal e amígdala. Essas duas últimas relacionam-se diretamente com comportamentos inapropriados e controle das emoções.

Semelhanças
Segundo Silvana, os camundongos dão um bom indício do que ocorre com humanos. “Ambos têm sistemas emocionais semelhantes. Os medicamentos para uso psiquiátrico são inclusive testados primeiro em roedores antes de passarem para a fase clínica de pesquisa”, ressalta Silvana. Para a professora, o experimento mostra que os usuários de anabolizantes atribuem erroneamente uma desinibição social ao fato de estarem se sentindo melhor com o próprio corpo.

“Ou seja, enquanto eles pensam que ficaram mais corajosos, impulsivos e desembaraçados por conta do aumento da autoestima em função da massa muscular que ganharam, cientificamente podemos pensar que o comportamento é um reflexo químico da droga que eles estão usando. Muita gente relata mesmo que, assim que começa a tomar esteroides, se sente o dono do mundo”, afirma Silvana.

A professora afirma que o próximo passo será verificar a permanência das alterações da nandrolona nos neuroreceptores do usuário. “Queremos saber se, uma vez administrado o esteroide, o cérebro adquire as transformações ou, quando para de receber a substância, ele volta a ser o que era antes”, explica Silvana. Na opinião dela, é mais provável que as mudanças se mantenham apenas no período em que a pessoa faz uso do anabolizante. “Trabalho com essa hipótese devido à plasticidade do cérebro, sua capacidade de se adaptar”, diz.

Nenhum comentário: